15 de setembro de 2015

Como os médicos de antigamente

Recentemente estava examinando um paciente de noventa anos e ele me disse sorridente: “a doutora examina como os médicos de antigamente!”. Fiquei pensativa com o comentário. De fato, sabemos que pelo tempo de consulta que o sistema público e os convênios impõem aos médicos, as consultas muitas vezes são despachos para troca de receitas e solicitação de exames. Muitas vezes o médico mal escuta o que o paciente tem a dizer, mal olha nos seus olhos e mal coloca a mão no paciente.


Por isso costumo dizer que o geriatra particular, é sim aquele médico de cabeceira que muitos desejariam ter. É como “os médicos de antigamente”. Muitas vezes o nosso trabalho é o de gerenciar um grande número de especialistas envolvidos no cuidado do paciente e unificar as informações para a família.


Justamente por esse papel, o geriatra como médico de cabeceira é aquele mais próximo e a quem se pode recorrer para tirar dúvidas diversas sobre os cuidados da saúde, para pedir orientações em caso de sintomas que não estão controlados e para dar retorno em cada situação especial pela qual passar o paciente.


E quando procurar um geriatra? Não há uma idade fixa para isso. Acompanhamos adultos que querem receber uma visão integral de sua saúde, que querem ser vistos como um todo e pessoas maduras que querem envelhecer bem. Acompanhamos idosos saudáveis ou idosos de saúde delicada com múltiplos problemas. E também acompanhamos pessoas em uma das fases mais especiais da vida, o final dela.


Realmente por isso a especialidade nos faz médicos muito presentes na vida e na família dos pacientes. Insisto na ideia de médico de cabeceira porque essa relação de proximidade tem muito a ver com a real vocação da Medicina que não é – ou não deveria ser – a de uma relação comercial. Medicina de verdade significa ciência e arte, significa cuidar. E quem não quer e não precisa ser cuidado?

30 de julho de 2015

O meu médico de confiança

É proverbial a imagem daquele médico de antigamente, que conhecia toda a família, cada um dos seus membros, e que além do mais era, muitas vezes, um bom companheiro e amigo. Vêm-me à cabeça algumas pinturas que retratam muito bem esse quadro. Gosto de duas especialmente:

The Doctor, Samuel Luke Fildes, 1891
Doctor and Doll, Norman Rockwell, 1929

Até o século XX, os conhecimentos médicos eram muito restritos. A mortalidade infantil era muito alta, a expectativa de vida baixa, a natalidade alta e havia poucas possibilidades de tratamentos realmente curativos. Quase tudo era paliativo: chás e xaropes de ervas, compressas, ventosas, sangrias...

Para se ter uma ideia, a anestesia realmente eficiente começou a ser desenvolvida em meados do século XIX, a antissepsia prévia aos procedimentos médicos – como o simples hábito de lavar as mãos! – também começou a ser utilizada na segunda metade do século XIX e o antibiótico só foi descoberto na primeira metade do século XX. E de lá para cá a Medicina mudou muito. Houve uma revolução técnica e científica, o conhecimento cresceu de modo exponencial porque a ciência molecular mudou tudo para sempre.

Hoje, um único profissional não é mais capaz de abarcar todo o conhecimento médico como outrora. E, por outro lado, a necessidade de desenvolver o conhecimento em cada área, levou a uma superespecialização de muitos profissionais. Às vezes brincamos que há médicos especialistas em tratar a unha do dedinho do pé!

A especialização de fato trouxe muitos benefícios. O primeiro deles é a possibilidade de realmente ampliar o nosso conhecimento geral, quando esse conhecimento é somado com todos os outros. Além do mais, como já dito, realmente não é possível que um médico saiba tudo de tudo.
Por outro lado, a superespecialização gerou também uma fragmentação da visão do paciente. Não é raro, especialmente para o médico geriatra, se deparar com situações realmente problemáticas.

Nossos pacientes frequentemente apresentam múltiplos diagnósticos médicos e são acompanhados por diversos especialistas. Em geral, esses médicos não conversam entre si e cada um se detém a examinar e tratar somente o órgão ou sistema de sua especialidade. O indivíduo nessas circunstâncias passa o mês inteiro indo aos médicos, peregrinando de consulta em consulta com o cardio, o pneumo, o reumato, o dermato, o ortopedista, o oftalmo, o gineco, o uro, o neuro, o endocrino, o vascular... Cada profissional acrescenta os seus remédios e não raras vezes o tratamento prescrito por um, interfere no tratamento do outro. E quando o paciente termina de fazer todos os exames pedidos por todos eles, já é hora de recomeçar um novo ciclo de consultas! Uma verdadeira confusão.

O médico geriatra, não é exatamente como o médico de família de antigamente porque nós não cuidamos das mulheres grávidas, nem das crianças da casa. A conformação da família também não é mais a mesma. Atualmente há muito mais adultos e idosos nas famílias do que naqueles tempos. E para esses, adultos e idosos, o geriatra pode, sim, fazer toda a diferença. O geriatra é também um clínico geral e, portanto, está apto para cuidar dos adultos de todas as idades além dos idosos. E um dos papéis mais importantes do geriatra, especialmente para aqueles pacientes com múltiplos problemas de saúde e que necessariamente precisam ser acompanhados por vários especialistas, é o de gerenciar o tratamento, olhando o paciente não como uma somatória de órgãos e sistemas, mas como uma pessoa. Essa é a tal “visão holística”, muito própria da nossa especialidade.

Frequentemente na minha prática profissional, sou procurada com para essa missão: fazer entender o que realmente acontece com o paciente e explicá-lo de modo acessível para a família. Fazemos a ponte entre os diversos médicos e, quase sempre, podemos “limpar a prescrição”: não é incomum que um remédio esteja sendo usado para tratar os efeitos colaterais de outro e que, na realidade, este nem seja estritamente necessário! Por isso, ao contrário do que muitos imaginam, o geriatra não é o médico que vai prescrever “umas vitaminas”. Antes, ao contrário, é o médico que vai tirar o excesso de vitaminas para centralizar o tratamento no que realmente importa, diminuindo também o número de consultas.

Muitas vezes, também estabelecemos com o paciente e com a família uma relação muito próxima, já que os estados delicados de saúde exigem um acompanhamento mais fino e, amiúde, inclusive por meio da visita domiciliar. E assim, é natural que surjam vínculos de confiança que se estendem para aquelas situações em que simplesmente precisamos de uma opinião amiga ou de um médico que venha à nossa casa. Eu noto muito isso: quem não desejaria ter à mão um médico para lhe perguntar tantas questões sobre saúde, próprias e das pessoas da família?

Por isso, aqueles que pensam que a Medicina necessariamente se tornou uma relação fria, ou um negócio mercantil, não sabem que aquele médico companheiro e amigo, para quem sempre se pode recorrer, ainda existe por aí. E a esse, realmente podemos chamar de “o meu médico de confiança”.

Obs: neste texto eu me refiro ao médico geriatra porque é a especialidade com a qual eu tenho experiência. Isso não quer dizer que não haja médicos próximos e companheiros de outras especialidades! 

26 de fevereiro de 2015

Transferência de pacientes



Uma das dependências mais comuns que podem surgir devida a diversas doenças é a dependência para mobilidade. Nessas circunstâncias, o auxílio para a transferência do pacientes, seja da cama para a cadeira, da cadeira para a cama ou mesmo simplesmente para levantar o paciente que não tem forças nas pernas, é crucial para os cuidadores.

Um problema que mais cedo ou mais tarde acaba surgindo, é a lesão da coluna do cuidador, que acaba fazendo esforços excessivos.

Por isso, gostei muito deste post de um blog de fisioterapia:

http://blogfisiobrasil.blogspot.com.br/2015/01/a-arte-da-transferencia.html

Eles explicam como usar as cintas de transferência, que oferecem muito mais segurança para pacientes e cuidadores. Pode ser usado em caso de: pacientes idosos com fraqueza nas pernas ou que têm medo de cair, pacientes com doença de Alzheimer, doença de Parkinson, sequelados por acidente vascular cerebral (AVC) ou por paraplegia ou tetraplegia.

11 de setembro de 2014

Osteoartrose de joelhos



Uma das principais causas de limitação para muitas pessoas mais velhas é a osteoartrose (ou simplesmente artrose) de joelhos. A osteoartrose que, de modo geral, pode afetar qualquer articulação (“junta”) é uma das variadas doenças evolutivas contra as quais a Medicina ainda não conta com remédios realmente efetivos para impedir o desenvolvimento do problema. No caso da osteoartrose de joelhos, a dor para caminhar costuma ser um empecilho que frequentemente faz com que os pacientes comecem a limitar suas caminhadas fazendo com que a doença evolua mais.

Por isso é importante levar em conta o que um estudo recente[1] acaba de confirmar: é necessário manter-se ativo para que a limitação seja menor. Os pesquisadores observaram que, nos dois anos de estudo, os sujeitos que tinham risco para desenvolver osteoartrose de joelhos que davam no mínimo cerca de 3.500 passos por dia tiveram menor progressão da limitação dos joelhos.

Esse dado é interessante porque existem diversas recomendações para preservação da saúde como um todo que recomendam pelo menos 10.000 passos ao dia. O que este estudo mostra é que com muito menos já há benefícios e, claro, para os que conseguem caminhar mais, os benefícios são ainda maiores.

Como sempre, para manter a saúde, “é preciso mexer-se para não atrofiar”! Para quem têm risco de desenvolver osteoartrose de joelhos, é importante ter como meta dar entre 3.000 e 6.000 passos por dia. Para ter uma ideia do quanto isso significa, não é difícil nem muito caro contar o número de passos usando um pequeno aparelho chamado pedômetro.

Além da atividade física, é bastante recomendável conversar com o médico geriatra ou reumatologista ou fisiatra ou ortopedista que outras medidas medicamentosas e não medicamentosas devem ser tomadas para o acompanhamento da osteoartrose de joelhos. Sempre devemos olhar o paciente de forma holística para que a vida possa ser melhor mesmo que existam problemas!




[1] White, D. et al. Daily Walking and the Risk of Incident Functional Limitation in Knee Osteoarthritis: An Observational Study. Arthritis Care & Research Vol. 66, No. 9, September 2014, pp 1328 –1336.

20 de maio de 2014

Relativismo moral e Bioética


É muito comum a visão reducionista dos debates sociopolíticos e éticos em uma dicotomia radical, como se tudo fosse uma simples questão entre direita e esquerda ou entre conservadores e liberais. E essa visão empobrecida costuma ser um bom acúmulo de pólvora para a explosão das paixões. Por isso os debates sobre política e também sobre bioética facilmente degringolam para discussões acaloradas. A maioria das pessoas, que não querem se manter neutras, assume um ou outro partido e passa a enxergar o mundo como dividido entre bons e maus, sendo que os maus são os que pensam diferente dela.

O nosso contexto cultural atual concede grande valor à liberdade, à democracia, ao direito, à tolerância. Não há dúvidas que esses são valores que realmente valem a pena e que a sua defesa representa uma conquista de fato positiva na evolução histórica da humanidade. Entretanto, como tudo, esses valores em si mesmo não deveriam ser absolutizados. E aí mora o perigo...

Segundo o relativismo moral, entendido como base filosófica predominante no Ocidente contemporâneo, a consciência de cada indivíduo tem primazia sobre a realidade. Isso significa que cada um pode pensar e atuar da forma que acreditar ser a verdade – “a minha verdade” ou “a sua verdade”, como se costuma dizer – e deve receber o máximo respeito de todos e do Estado, desde que, claro, não fira os direitos do outro. Ou seja, o relativismo coloca como standard não a realidade em si mas a minha concepção da realidade, que passa a ser a minha verdade.


Nada disso é novidade. Temos séculos de escolas filosóficas que nos deram os fundamentos para chegar a todas essas concepções. O relativismo não foi um invento do século XX. Descartes ao colocar em dúvida a realidade, pôs a carruagem para andar. Kant nos ajudou a ver as leis como arbitrárias, e com raiva, segundo o nosso modo de ver a estrada, assumimos a nossa forma de conduzir.  Hegel e Marx dividiram o mundo e nos colocaram todos uns contra os outros, induzindo-nos a ultrapassagens perigosas. Nietzsche e Freud, por fim, liberaram qualquer amarra de segurança e perdemos totalmente o controle da diligência.

No campo da Bioética, o relativismo moral parece ser muito bacana e sensato quando defende que as Leis devem permitir o aborto, todas as formas de anticoncepção e de fecundação artificial; devem permitir a eutanásia, o suicídio assistido, as uniões de qualquer orientação sexual etc. Sua linha de argumentação principal é a seguinte: respeitamos todas as formas de pensar. Respeitamos quem pensa que todas essas coisas não são corretas, mas quem pensa como nós deve ter o direito de fazer o que bem entender. Um Estado verdadeiramente democrático e justo deve garantir nossa liberdade.

Realmente parece tolerante essa forma de pensar. E parece justa. Contudo, o relativismo, infelizmente, não é nem razoável nem justo.  Não é razoável porque intrinsecamente apresenta uma grande incoerência que o torna insustentável em si mesmo: se tudo é relativo, se tudo é subjetivo, se a verdade pode ser que exista mas é inatingível, então o próprio relativismo é relativo e não pode ser considerado como norma definitiva.

Dito de outra forma: se tudo é relativo, mesmo o relativo por ser relativo e portanto não será relativo! Parece um jogo, uma falácia, mas não é. Não é uma falácia usada para desmoralizar o relativismo porque é evidente que alguma verdade deve existir e pode ser conhecida, ainda que não completamente. De fato, os mistérios existem e provavelmente são maiores que a nossa própria capacidade de conhecimento. Todavia, o relativismo, que nega a existência de verdades e análises absolutas não pode ser ele mesmo absoluto. E se não é absoluto, não pode ser ele a ditar e justificar toda a nossa vida e toda a nossa sociedade. Caso contrário, não seria justo.

A questão da justiça é importante: ao absolutizar o direito individual – ou seja, “tudo bem que você pense diferente, mas deixe-me ter o direito de atuar conforme o que eu penso” – há direitos de outros indivíduos e direitos da comunidade que não estão sendo respeitados. Por exemplo, o direito dos filhos que nascem fruto de manipulações, o direito dos que são impedidos de nascer, o direito dos que perdem um parente que foi facilitado a morrer. E mais grave: não se respeita a verdade de quem é o homem. Mas este é outro tema...

Importante é reconhecer que o direito individual não pode ser absoluto, porque os interesses pessoais são variáveis e contrastantes. O que se espera das leis, portanto, não é que permita tudo o que cada um quiser fazer mas que se regule conforme a realidade das coisas. Para isso, o homem contemporâneo, amante da liberdade, deve apaixonar-se também pela verdade. E buscando sinceramente a verdade, poderá ser muito mais livre. 

A triste história de Piera e a eutanásia

Faz um ano que foi lançado na Itália, por uma Associação conhecida por suas atividades radicais, um vídeo que tinha o propósito de chocar. Era a história de Piera, uma senhora de 76 anos que tinha recebido o diagnóstico de um câncer de fígado em estágio avançado e incurável. Piera conta que “morreu” no dia em que recebeu o diagnóstico de incurabilidade da sua doença. E em três minutos, enquanto faz as malas, explica que, visto que não havia possibilidades de cura e que iria encontrar o sofrimento no caminho, decidiu ir à Suíça para acabar com tudo. Piera deixa claro no vídeo que não queria mais o sofrimento, que não servia para nada. Por isso Piera, e só ela, tinha o direito de decidir sobre a sua vida e a sua morte.

“A escolha de Piera”, nome do pequeno filme, foi exatamente essa. Viajou a uma cidadezinha próxima de Zurique e lá escolheu o momento exato para colocar um ponto final na sua vida. Deixou em herança aquele filme-testemunho para a campanha que busca a legalização da eutanásia na Itália.
Piera Franchini (1937-2012) decidiu ir à Suíça e recorrer ao suicídio assistido
Piera dizia amargurada no vídeo: “Os outros caminhos não me levam à cura, não me levam a uma vida diferente, não me levam a lugar nenhum. Levam-me sempre e de qualquer forma ao fim da vida. E então, por que não escolher o caminho menos turbulento, que mesmo assim me dá medo? Mas não tenho dúvidas. Não quero mais sofrer. O direito ao sofrimento é um fim em si mesmo, um sofrimento que não beneficia a ninguém. A quem beneficia o meu sofrimento ou de tantos outros? Para quem serve? Por que motivo eu devo sofrer até morrer?! Sofre-se até que se morre. Quem se pode dar o direito de dizer ou de fazer isso?! Sou eu, eu, eu, a minha vida, a minha morte, eu decido sobre mim”.

São palavras fortes. Mas de qualquer forma, mais forte é a solidão de Piera. Ela decidiu algo muito grave, de forma solitária. É verdade que todo mundo morre sozinho. É inevitável. A morte, como a vida, só cada um pode saborear e percorrer. Mas a solidão do suicida, especialmente do suicida assistido, parece ser mais aguda e dolorosa. Não porque Piera não tenha podido contar com a proximidade dos seus familiares e amigos porque se viu “obrigada” a ir à Suíça para morrer. Mas porque quem procura ajuda para morrer, não deixa de estar pedindo ajuda para viver, mesmo que de forma inconsciente.  Todos os seres humanos têm necessidade de compartilhar a vida. E todos necessitam viver e morrer acompanhados.

             Parece que Piera, a pesar da ajuda que recebeu para ir à Suíça, não podia contar com ninguém que lhe dissesse “fique aqui o tempo que for, eu estarei com você, eu cuido de você”. A eutanásia é sempre uma decisão de uma miserável solidão: de quem não quer incomodar os outros, de quem tem medo de sofrer fisicamente sem ter o alívio de uma presença realmente gratuita e voluntária, de quem a ama. É por isso que a eutanásia é sempre uma derrota, do indivíduo e da sociedade. Derrota do indivíduo que se vê impotente diante do presunto monstro da morte dolorosa. Derrota da sociedade que não pode ou não quer oferecer ajuda a quem se sente débil e marginalizado pelo sofrimento de uma doença.

As mesmas mãos amigas que ajudaram Pietra a ir à Suíça ou que a filmaram pela última vez, não eram amigas o bastante para acolhê-la nesses seus piores dias. Piera estava sozinha a pesar da presença de alguns que compartilhavam da sua convicção de procurar uma “boa morte”. Naquele momento em que um se sente sozinho e desesperado, apavorado pelo porvir, encontra na indústria da eutanásia, o impulso que lhe faltava: “Sim, o seu sofrimento é inútil. Acabe com a sua vida que é melhor para você e para aqueles que ficam”.

Mas existem alternativas! Talvez tudo possa ser diferente se aquele que se encontra nessa situação encontra o acolhimento daqueles que praticam os Cuidados Paliativos e pode, então, ouvir e sentir e tocar aquilo que dizia Cicely Saunders, uma das fundadoras do movimento Hospice: “Você é importante porque você é você. E você é importante até o fim da sua vida. Faremos todo o possível não só para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para fazer você viver até o momento de morrer”.[1]
Cicely Saunders (1918-2005): a médica inglesa fundadora do Movimento Hospice de Cuidados Paliativos



[1] “You matter because you are you, and you matter to the end of your life. We will do all we can not only to help you die peacefully, but also to live until you die”

30 de junho de 2012

O terceiro ato da vida

Penso que estou no segundo ato da minha vida, uma fase muito interessante porque é plena vida adulta, passado o período de estréia. O adulto tem já um traquejo que nos ajuda a encarar a vida de uma forma diferente.
Pois se o segundo ato é tão interessante, o que não dizer do terceiro ato? Realmente acho que não aceitar o envelhecimento é uma grande pobreza: é não ser capaz de enxergar que realmente a maturidade moral e espiritual valem muito mais do que a beleza e o vigor físico. Essas ideias não são um consolo barato para aqueles que já entraram em cena para a terceira ou até quarta fase! Não! Sabedoria, experiência, maturidade não são bens que se podem ser adquiridos com cremes, remédios, academia ou cirurgia plástica. São valores que merecem a pena!

Vejam o relato da Jane Fonda: 
Jane Fonda: O terceiro ato da vida 
 

7 de maio de 2011

Fratura de colo de fêmur nos idosos




A fratura de colo de fêmur em pessoas com mais de 65 anos é uma ocorrência infelizmente comum e grave.
Geralmente esse tipo de fratura ocorre por uma queda do idoso ou por traumas físicos menores. É um dos motivos pelos quais nós, geriatras e gerontólogos, nos preocupamos tanto com o fato de um idoso cair. Quase sempre o tratamento será cirúrgico com aplicação de parafusos, placa ou prótese total ou parcial da articulação do quadril, isto é, substituição da articulação por uma “junta artificial” metálica.
Mas por que nos preocupamos tanto se há tratamento?
Porque a situação clínica desses pacientes devida ao próprio trauma causador da fratura, ao procedimento cirúrgico e ao período de reabilitação somam um risco de morte muito alto. Após um ano de uma fratura dessas, diversos estudos mostram que a taxa de morte dos idosos é em média 25%, independentemente do tratamento. Isso quer dizer que a cada quatro idosos que sofrem uma fratura de fêmur, um deve falecer no próximo ano. É para preocupar, não?
Além disso, mesmo entre os pacientes que não chegam a morrer, entre 40% e 47% deles terão alguma complicação grave no período de até 2 anos após o evento. As complicações podem ser muitas: falha da cirurgia e necessidade de reoperação, infecções diversas, acidente vascular cerebral (“derrame”), embolia pulmonar, desnutrição, depressão, confusão mental...
Mais uma vez volto a insistir na necessidade de prevenção de acidentes, principalmente quedas (em casa ou na rua) e atropelamento. Diante de uma situação mais grave que muitos cânceres, não podemos deixar de lembrar que a prevenção é o melhor remédio!

3 de maio de 2011

Entrevista sobre geriatria

Publico uma entrevista concedida ao Blog Longevidade da Silvia Masc, que faz um excelente trabalho de informação. Admiro muito o trabalho dela!

LONGEVIDADE: Qual a diferença de Geriatria e Gerontologia?
DRA. LUCIANA: Ambos os termos foram criados no início do século XX. “Geriatria” é a especialidade médica voltada aos indivíduos em processo franco de envelhecimento e às questões de saúde peculiares a esse período da vida. Já o termo “gerontologia” refere-se ao estudo do envelhecimento de forma mais ampla, em todas as áreas relacionadas à saúde. Nesse sentido, muitas profissões podem se dedicar à gerontologia, ou seja, ao que se refere às especificidades dessa população. Assim, outros profissionais podem se especializar em gerontologia dentro de seu âmbito de atuação.

LONGEVIDADE: Quais os objetivos principais da Geriatria?
DRA. LUCIANA: Em primeiro lugar essa especialidade médica está focada na prevenção, mas também no tratamento de doenças e outros problemas comuns aos indivíduos que estão envelhecendo. O geriatra tem uma visão ampla do paciente, buscando sempre formas de contornar, na medida do possível, limitações à independência física e à autonomia moral dos idosos sob seus cuidados.

LONGEVIDADE: Quais os problemas mais comuns enfrentados pelos idosos?
DRA. LUCIANA: Há problemas em diversos campos: no campo da saúde, por exemplo, as doenças mais comuns são hipertensão arterial, diabetes, elevação do colesterol, osteoporose, artrose, perda de memória, depressão, obesidade, quedas, fraqueza etc. Entretanto, há muitas pessoas que chegam a idades avançadas sem muitas doenças e com enorme independência física e mental. Esse é o objetivo do envelhecimento saudável, da promoção de saúde desde cedo.
Outros problemas enfrentados pelos idosos são os sociais: mudanças de papéis dentro da família e na sociedade, por exemplo, quem antes gerenciava passa a ser gerenciado; perdas econômicas devido às baixas aposentadorias; isolamento e perdas afetivas pela morte de pessoas próximas. São situações que não raramente geram crises nas pessoas que envelhecem.

LONGEVIDADE: Como esses problemas podem ser prevenidos?
DRA. LUCIANA: No âmbito da saúde física e mental é preciso cultivar desde o mais cedo possível, hábitos saudáveis de vida. São comportamentos que fazem muita diferença com o passar dos anos: alimentação equilibrada; prática regular de atividade física; dormir bem; consumir pouco álcool; não fumar; descansar com periodicidade; cultivar vínculos sólidos com a família e com os amigos; evitar um ritmo frenético, estressante de vida.
No âmbito social, é muito importante planejar o envelhecimento. Em geral as pessoas com 20 ou 30 anos não pensam nisso mas esse planejamento não pode ficar para quando faltarem 5 anos para a aposentadoria. O indivíduo precisa ao menos idealizar o que pretende fazer quando se aposentar e, de preferência, ter reservas econômicas para esse período que cada vez tende a ser mais longo e que pode ser muito feliz. Nesse sentido, a socialização, os vínculos de amizade e a espiritualidade têm papel central para uma velhice feliz, ainda que com alguns problemas já que a vida sempre é permeada de dificuldades...

LONGEVIDADE: Mesmo saudável o idoso deve procurar um médico? Por quê?
DRA. LUCIANA: Sem dúvidas que sim. O ditado é sábio: é melhor prevenir do que remediar! Ou em outras palavras, a prevenção é sempre o melhor remédio.
Há pessoas que afirmam que não vão ao médico porque “quem procura, acha”. Isso é uma grande bobagem porque muitos problemas de saúde podem ser minimizados, quando não curados, se são diagnosticados cedo. E mesmo na ausência de doenças, há o aconselhamento de hábitos saudáveis individualizados que não devem ser menosprezados como parte da consulta médica.
 Além do mais, a prevenção da perda de independência física ou da autonomia moral, ou seja, da capacidade de gerenciar a própria vida, são aspectos essenciais que podem ser analisados na consulta com o especialista.

LONGEVIDADE: Como a atividade física pode melhorar a vida de um idoso?
DRA. LUCIANA: A atividade física só traz benefícios, está associada com a minimização dos problemas mais comuns aos idosos: melhora o controle da pressão arterial, do açúcar no sangue, do colesterol, das dores crônicas; melhora a fraqueza muscular; fortalece os ossos; melhora queixas de esquecimentos, de sintomas depressivos, de tontura, desequilíbrio, ansiedade; melhora qualidade do sono e a qualidade de vida de uma forma geral.

LONGEVIDADE: É importante que outros profissionais também acompanhem o idoso ou apenas o geriatra já é suficiente?
DRA. LUCIANA: O geriatra funciona como um gerente do seu paciente. É comum que o idoso tenha que passar em vários especialistas e muitas vezes esses diversos acompanhamentos são fragmentados e um profissional acaba “atrapalhando” o outro. O geriatra deve funcionar como um pivô desse elenco todo. No âmbito médico, boa parte dos problemas mais comuns podem ser acompanhados só pelo geriatra, porém algumas vezes ele mesmo vai julgar ser necessário a opinião ou acompanhamento de um especialista ou de outros profissionais.

LONGEVIDADE: Qual a diferença entre loucura e demência?
DRA. LUCIANA: “Loucura” é um termo pejorativo e impreciso. Do ponto de vista técnico, diz muito pouco ou só imprime um preconceito. Pessoas sui generis podem ser chamadas de “loucas”quando na verdade são simplesmente “diferentes”.
Já o termo “demência”, esse, sim, é um termo técnico. Demência é um conjunto de sinais e sintomas que demonstram que aquele indivíduo está padecendo de uma doença com repercussões na sua capacidade de raciocínio, memória, coordenação, compreensão etc. Esse indivíduo precisa ser avaliado por um especialista e deve ser tratado.
Chamar de doença o que é doença é mais importante do que parece: uma pessoa que tem toda uma história de vida e que começa a adoecer e mudar seu comportamento, deve ter sua biografia preservada. Essa pessoa precisa ser protegida para que não seja mal interpretada. Por exemplo: um idoso que sempre foi muito correto e que começa a apresentar comportamentos indecorosos precisa ser protegido já que ele não é mais senhor de seus atos. E a família necessita perceber a situação e procurar ajuda, sem “achar que é normal da idade”.

LONGEVIDADE: Para os idosos que conduzem veículo, em que momento devem para de fazê-lo?
DRA. LUCIANA: Essa é uma boa pergunta. Não há uma idade máxima para dirigir. Cada pessoa apresenta um ritmo de envelhecimento muito diferente da outra. Sempre cito a comparação de um idoso de 60 anos que pode estar acamado por uma seqüela de um acidente vascular, por exemplo, com outro de 90 anos que ainda trabalha nos seus negócios. São situações completamente diferentes.
Assim, a questão de dirigir deve será analisada caso a caso. É fato comum que o envelhecimento traz um retardo nos reflexos e lentificação dos movimentos mas também costuma trazer hábitos mais prudentes. Portanto, devemos olhar o conjunto da saúde do idoso. Esse assunto pode ser discutido na consulta com o geriatra.

LONGEVIDADE: Em que momento, devemos consultar um geriatra?
DRA. LUCIANA: Não há uma idade ideal para fazê-lo. O geriatra é um clínico geral também por isso está apto a começar a acompanhar seus pacientes desde a idade adulta. Entretanto, sabemos que não há um número de geriatras suficiente para a parcela da população que está envelhecendo. Assim, outros médicos costumam indicar um geriatra quando o paciente apresenta diversas limitações comuns à idade e que o geriatra está habituado a lidar.

LONGEVIDADE: Quais sugestões, a Sra. daria para enriquecer o conteúdo do Longevidade? 
DRA. LUCIANA: Acho o blog com uma atividade incrível. É simplesmente maravilhoso que ele seja atualizado diariamente. É um trabalho imenso que a Silvia leva com maestria. O conteúdo é tão diversificado que não tenho muito como sugerir coisas novas! Talvez o blog poderia fazia mais parcerias com instituições diversas para expandir seu raio de ação e a Silvia poderia se dedicar inteiramente a ele!

2 de maio de 2011

Um texto para refletir - Rubem Alves

Esse texto estava recolhido esses dias no blog de uma amiga: (http://supremamaegaia.blogspot.com/2011_04_24_archive.html#3599455056169133929)


Sobre a Velhice

Por oposição aos gerontologistas, que analisam a velhice como um processo biológico, eu estou interessado na velhice como um acontecimento estético. A velhice tem a sua beleza, que é a beleza do crepúsculo. A juventude eterna, que é o padrão estético dominante em nossa sociedade, pertence à estética das manhãs. As manhãs têm uma beleza unica que lhes é própria. Mas o crepúsculo tem um outro tipo de beleza, totalmente diferente da beleza das manhãs. A beleza do crepúsculo é tranquila, silenciosa - talvez solitária.
No crepúsculo, tomamos consciência do tempo. Nas manhãs, o céu é como um mar azul, imóvel. Nos crepúsculos, as cores se põem em movimento: o azul vira verde, o verde vira amarelo, o amarelo vira abóbora, o abóbora vira vermelho, o vermelho vira roxo - tudo rapidamente. Ao sentir a passagem do tempo, nós percebemos que é preciso viver o momento intensamente. "Tempus fugit" - o tempo foge -, portanto, "carpe diem" - colha o dia. No crepúsculo, sabemos que a noite está chegando. Na velhice, sabemos que a morte está chegando. E isso nos torna mais sábios e nos faz degustar cada momento como uma alegria unica. Quem sabe que está vivendo a despedida olha para a vida com olhos mais ternos . . .

(Rubem Alves)

12 de abril de 2011

Gripe, resfriado e vacina


Todo ano é comum ouvirmos comentários semelhantes em relação à vacina da gripe comum: "é só tomar, para ficar gripado", "se tomo fico doente, se não tomo, não fico", “conheço várias pessoas que ficaram doentes depois que tomaram a vacina”, etc.
Para resolver essas dúvidas que são freqüentemente levantadas por nossos pacientes, vamos considerar alguns pontos:
1) a vacina é contra o vírus da influenza, causador da gripe.
2) gripe é diferente de resfriado. Este último pode ser causado por diversos vírus: adenovirus, parainfluenza, arbovirus, rinovirus e muitos outros.
3) na maioria das vezes em que temos dor de garganta, escorrimento e obstrução nasal, pouco de dor de cabeça com ou sem febre, estamos, na verdade, com resfriado e não gripe.
A gripe em geral dura muitos dias, cerca de dez, a pessoa fica arrebentada, tem dor no corpo, febre em geral alta, calafrios, dor de cabeça, além dos sintomas respiratórios (nariz entupido, catarro, tosse, dor de garganta, bronquite etc).
Ou seja, a infecção é mais complicada que o resfriado e, para os extremos de idade (crianças e idosos), a gripe pode complicar facilmente para infecções bacterianas mais graves (por exemplo, pneumonia). Por isso a vacina é tão importante, ela diminui, comprovadamente, as complicações e a mortalidade, especialmente em casos de indivíduos com algum tipo de fragilidade de saúde.
4) em relação aos que dizem que ficam doentes depois de tomar a vacina, isso se deve porque, em geral, as campanhas de vacinação ocorrem num período do ano em que já há muita disseminação dos resfriados (causados por tantos vírus diferentes). Por isso é tão comum ficar doente após a vacina. Na verdade, não é a vacina que causa a infecção, que não é gripe mas, sim, mais um resfriado!

Idosos: vacinem-se!
Campanha de vacinação contra a gripe começa dia 22 em Cambé


27 de janeiro de 2011

Superação

Gostaria que vissem esse vídeo sobre Nick Vujicic. Para quem não o conhece, vale a pena. É um exemplo para todas as idades. Um homem que aprendeu a se superar dia a dia.

8 de janeiro de 2011

Quedas X Câncer


Muita gente tem pavor de câncer. Em tese, qualquer tecido do organismo pode desenvolver um tumor e sabemos que esse risco aumenta com a idade.
Entretanto, esse medo do câncer muitas vezes é desproporcional: primeiro porque existem muitas outras doenças que podem limitar a nossa saúde que precisam ser prevenidas e tratadas. Segundo porque hoje em dia muitos cânceres são curáveis.
Pensando na população mais velha, uma queda, por exemplo, pode ser muito mais devastadora que um câncer.
Esse é um problema que merece a nossa atenção. Quedas são muito comuns nas pessoas acima dos 60 anos e são um dos maiores fatores que ameaçam a independência dos idosos. Cair não é normal embora seja comum. Todos os anos, mais de um terço dos idosos que vivem em suas casas caem. Ou seja, o risco é muito grande. E esse risco aumenta com o passar dos anos.
As consequências de uma queda podem ser leves ou sérias. Vão desde escoriações até fraturas ou traumatismo craniano. Idosos completamente independentes do dia para noite podem passar a ser acamados, dependentes e necessitarem internação em instituições de longa permanência. Entre os idosos, as quedas são a quinta causa de morte, geralmente uma causa indireta.
Além das consequências físicas, as quedas também costumam trazer um ônus psicológico grande. O medo de cair novamente é, muitas vezes, "traumatizante" levando o idoso a diminir suas atividades perdendo, assim, qualidade de vida. O medo de cair não deve, por exemplo, ser motivo para limitar saídas na rua.
Por todo o exposto, fica claro que cair é sempre um fato importante, ainda que não tenha gerado lesões diretas. Todas as quedas recentes devem ser relatadas na consulta geriátrica. E caberá a todos os cidadãos, independente da idade, procurarem colaborar na prevenção das quedas de idosos.

7 de janeiro de 2011

Velocidade do passo e mortalidade


Idosos lentificados, em geral, são idosos mais frágeis que os indivíduos que vão-e-vem sem dificuldades. Isso é até um pouco intuitivo. Temos uma visão totalmente diferente de um idoso ágil, que bate-perna na rua, que paga suas contas, que trabalha, daquele outro que anda a passos curtos, lentos, encurvado e que fica a maior parte do tempo em casa.
O que é intuitivo é também comprovado.
GÅR TUR DAGLIG: I hagen på eldresenteret går Carl Falck tur hver dag. Foto:Thomas Skaug/DagbladetUma recente metanálise (estudo que analisa diversos estudos de uma só vez) acaba de demonstrar que a velocidade de caminhada de um idoso é direitamente proporcional à sobrevida. Analisando 9 estudos que englobavam no total mais de 34 mil pessoas com média de idade de 73,5 anos, residentes em suas casas, foi observado que em cinco anos de acompanhamento e depois em dez anos, a velocidade de caminhada é associada com a sobrevivência.
Esse estudo não significa que devemos "acelerar" os idosos. Significa que a velocidade de caminhada do idoso é mais um parâmetro para nós, geriatras, na avaliação global do estado de saúde do idoso.
É sabido que a velocidade da caminhada é associada indiretamente com risco de quedas e outros problemas. O estudo atual apenas comprovou que a velocidade tem a ver com sobrevivência, tempo de vida.
Mais um motivo para estimularmos o fortalecimento muscular e a prática de atividades físicas, essenciais para melhorar o desempenho em tantos aspectos da saúde.

Artigo médico: JAMA. 2011;305:50-58, 93-94.

17 de dezembro de 2010

Uma entrevista sobre o consumo de vitaminas

Fui convidada pela jornalista Isabel Vasconcellos para uma entrevista no seu charmoso "estúdio" à beira da Avenida Paulista. A entrevista dura cerca de 20 minutos e remete-se a algumas das dúvidas mais frequentes sobre o tema.
O vídeo original está em http://www.isabelvasconcellos.com.br/So%20Saude.htm






15 de dezembro de 2010

Problemas comuns do sono

Embora os idosos de um modo geral tenham menor necessidade de horas de sono, conforme já comentado, fica clara a importância de dormir bem em qualquer idade. Muita gente dorme mal e pensa que isso “é assim mesmo”, que são “problemas da idade” e por isso não procuram ajuda.
Dentre os problemas de sono mais comuns que afetam os idosos, citamos os mais freqüentes:

Insônia: é a dificuldade de iniciar ou manter o sono. Pode ser do tipo “inicial” (problema maior no começo da noite), “intermediária” se há dificuldade em manter o sono (p problema é maior pela madrugada) e “final” se o indivíduo desperta cedo demais (problema ao amanhecer). A insônia é considerada crônica se já existe há mais de 3 semanas.
Síndrome da apnéia obstrutiva do sono: é caracterizada por freqüentes “paradas respiratórias” por mais de dez segundos durante o sono, causadas pela obstrução ao fluxo de ar pelas vias áreas. Em geral, a síndrome está acompanhada pelos roncos que são os sons vibratórios que ocorrem à passagem do ar nessas vias parcialmente fechadas.
Síndrome das pernas inquietas: é um distúrbio caracterizado por sensações desagradáveis (dor, incômodo, “puxões”, “picadas”, queimação...) que levam a movimentos involuntários freqüentes das pernas quando se deita ou se está descansando, ao ponto de atrapalhar significativamente a qualidade do sono. Esses sintomas podem ocorrer ainda em situações de repouso, no fim do dia, ao assistir à TV, por exemplo, ou em outras situações em que se tenta relaxar.

7 de dezembro de 2010

A importância de dormir bem





Passamos boa parte da vida dormindo, cerca de um terço dela. Dormir bem é necessário para se ter uma boa qualidade de vida. Inúmeros estudos o comprovam.
O sono de má qualidade está relacionado a problemas de memória, fadiga, dores, baixo rendimento no trabalho, maior risco de transtornos psiquiátricos como depressão e ansiedade ou de doenças como hipertensão arterial, diabetes, infarto, acidente vascular encefálico, maior risco de acidentes entre outros problemas.
O sono não é um “desligamento” do estado de vigília. É um estado de intensa atividade cerebral e de reparação dos nossos músculos, ossos, do sistema imune; consolidação da memória, liberação de hormônios e muitas outras funções essenciais para o organismo.
Estima-se que mais de 12% da população apresenta distúrbios do sono. Entre os idosos, cerca de 90% deles, quando diretamente questionados, apresentam alguma queixa ou insatisfação específica.
Com o envelhecimento, surgem algumas alterações no ciclo normal do sono: diminuição do tempo total de sono, demora para iniciá-lo, aumento das fases superficiais e conseqüente diminuição do sono profundo e mais reparador, aumento de despertares resultando em menor eficiência global.
Além das alterações próprias do envelhecimento, outros fatores podem afetar negativamente o sono dos idosos: dores, ambiente inadequado para o repouso, desconfortos emocionais, uso de múltiplos medicamentos, doenças como refluxo gastro-esofágico ou problemas respiratórios e cardíacos.
sleep_lab2Os diagnósticos e tratamentos dos distúrbios do sono podem ser feitos por meio da história clínica e algumas vezes requerem exames gerais ou específicos, como o estudo de polissonografia, em que o paciente passa uma noite no laboratório para análise de cada componente do sono. 

Dormir com qualidade é essencial para se ter uma boa saúde física e mental. É preciso conversar com o geriatra também sobre esse aspecto. Muitos desses distúrbios, quando bem controlados, trazem significativa melhora na qualidade de vida.

23 de novembro de 2010

5 minutos que valem uma longa vida




Como médica geriatra e cidadã, chama-me muita atenção pelas ruas de São Paulo, o número de idosos, acompanhados ou sozinhos, ágeis ou até com sérias dificuldades de locomoção, que atravessam as ruas da cidade – que tem um dos tráfegos mais agressivos do mundo – fora da faixa de pedestres ou na faixa, mas em momentos inadequados. Flagro esse tipo de comportamento quase diariamente.
Fazendo um levantamento pelo site do DataSUS, só na cidade de São Paulo, de janeiro a setembro de 2010, houve mais de 800 internações hospitalares de pessoas maiores de 50 anos e 106 mortes nessa faixa etária, por atropelamento. Durante todo o ano de 2009 foram quase 1000 internações e 119 mortes. Levando em conta que esses dados só se referem aos piores desfechos, é incalculável, entretanto, o tamanho do problema, um problema de maus hábitos da nossa cultura.
O que significa de fato aguardar 5 minutos até que o farol seja favorável à travessia? Não podemos esquecer, que dado o fluxo de veículos na cidade, os semáforos para pedestres freqüentemente mantém-se aberto durante um tempo insuficiente para a travessia de uma pessoa com dificuldades de locomoção. Portanto, nesses casos, a travessia deve ser feita em duas etapas, normalmente aguardando na ilhas centrais das grandes avenidas, por exemplo. Mulher segura mão de idoso e o conduz sobre a faixa de pedestres
Sugiro que, independentemente da idade, todos tenhamos a responsabilidade e nos eduquemos em primeiro lugar, a fazer travessias seguras. Hoje muitas pessoas chegam à terceira idade em excelente estado de saúde ou em estado bastante bom. Vemos, no entanto, que um número nada desprezível de idosos sofrem, já na maturidade, algum tipo de acidente que transforma totalmente essa história vitoriosa de saúde.
A maioria dos acidentes, como bem sabemos, é evitável. As quedas da própria altura são, entre as causa externas, as que mais levam a lesões permanentes entre os idosos. Esse assunto ficará para outro artigo, mas hoje, só queria ressaltar o papel de cada cidadão na educação no trânsito, um grande tema de saúde pública que afeta a todas as idades.

20 de novembro de 2010

Um sonho realizado aos 75 anos

Therezinha nasceu em Pirajuí, nos idos anos de 1935. É a 13ª de 14 filhos de uma família que tinha poucos recursos econômicos.
No interior e depois em São Paulo-capital, Therezinha trabalhou em muitas firmas: foi bilheteira de cinema, secretária, balconista, operária em fábricas e metalúrgica. Depois deixou de trabalhar fora de casa para cuidar de sua mãe, doente, visto que a família não possuía meios de pagar uma cuidadora.
Embora não tenha nem completado o primeiro grau nos estudos, aos 35 anos, sem saber tocar nenhum instrumento musical, começou a compor. Tinha boa voz e passou a criar suas próprias melodias que cantarolava enquanto trabalhava. Therezinha compôs dezenas de músicas, que só ganharam gravações caseiras de alguns amigos. Primeiro vinha a melodia na cabeça, depois as letras eram postas como uma arte de amor. Para não esquecer nenhuma de suas criações, em um Natal, Therezinha ganhou um gravador de fitas cassetes, que hoje guardam a memória de seus pescadores, de suas meninas, de seus cantos natalinos.
Aos 55 anos, já uma senhora autodidata, aventurou-se a escrever contos infantis. Tem outras dezenas deles. São criativos, inéditos, com lições divertidas às crianças de hoje que, apesar da Internet, apesar dos games, apesar da TV HD, continuam sendo crianças que necessitam aprender dos personagens míticos.
Quero registrar minha admiração e meu tributo, a essa senhora que aos 75 anos conseguiu realizar um sonho longamente acalentado: publicou pela primeira vez um livro com alguns dos seus contos. Mas o sonho não veio fácil: Therezinha tem um tino pelo comércio invejável. Agora, ela que sempre fez propaganda dos outros, está aprendendo a fazer a própria propaganda para vender pessoalmente a maioria dos seus livros.
Lá a vejo, com seus passos cuidadosos pelas calçadas da metrópole, visitando seus muitos e muitos conhecidos. Lá vai Therezinha, ensinando que um sonho se constrói a cada dia da vida, seja longa seja curta. Lá vai Therezinha, ensinando que o sonho não é quimera, é meta que nos mantém jovens.
Quem desejar conhecer os contos de Therezinha, ligar para (11) 3171-2198

19 de novembro de 2010

O idoso tem função social?

Um sinal de pobreza ética de uma sociedade é o menosprezo de seus concidadãos debilitados. Como não nos lembrarmos da eugenia nazista que pregava a eutanásia dos doentes mentais, dos velhos improdutivos ou da esterilização dos "não puros"?
Propaganda nazista: o custo dos cuidados de um doente congênito ao longo de sua vida, para o "povo novo" do Reich

Propaganda nazista: um jovem trabalhador sob o peso de pessoas "improdutivas" que geram muitos custos até completarem 60 anos de idade

E nos nossos dias, na nossa sociedade, ainda que os idosos agora estejam por todas as partes, cabe-nos um grande desafio, para todas as idades: compreender melhor a função social que as pessoas idosas são chamadas a exercer.
O que fazia Hitler e qualquer tirano? Convencer a população de que o mundo utópico, equilibrado e perfeito, poderia ser alcançado com o empenho da juventude para construir uma nova sociedade.
É um tremendo de um reducionismo o louvor excessivo dos jovens e do que eles representam como se esse fosse o único período importante e que valesse a pena de uma vida. É verdade que a beleza da juventude é mais formosa e que a força da juventude é invejável porque é capaz de feitos esportivos ou comerciais muito mais do que os indivíduos em outras fases.
Entretanto, os valores das pessoas mais velhas, funcionam como um saudável contrapeso social. E essa baliza, que só pode ser dada pelos mais experientes, desgraçadamente se perde se os idosos de uma sociedade se “infantilizam”. Chega a ser grotesco o idoso que banca o jovenzinho ou a idosa que se expõe como uma mocinha!
A adulação excessiva da juventude pode realmente seqüelar uma sociedade. O equilíbrio sempre será a fórmula de saúde. É interessante notar que nas sociedades anteriores a esse culto da beleza jovem em que hoje vivemos, o ancião sempre ocupou lugar de destaque e respeito. É o caso dos povos indígenas e seus caciques e pajés, dos povos africanos e seus líderes equivalentes, dos romanos e os senadores (senado provém de “senex”, “velho”), o mesmo em relação aos povos bárbaros e suas estruturas ou os orientais e sua relação com os antepassados.
Mesmo hoje pouco nos damos conta de idosos relevantes para a cultura do nosso país. E na estrutura familiar, também devemos abrir espaço para que os idosos ocupem papéis destacados, não necessariamente como detentores das decisões, mas como consultores preciosos.

Hoje os avós têm um papel talvez mais necessário que no passado, visto que também a maioria das mães trabalham fora de casa. Cada vez mais os casais recorrem aos avós de seus filhos,  que gozam de boa saúde, para que se ocupem das crianças. Sem dúvidas, essa é uma nova necessidade da vida moderna. É ocasião de que exerçam uma segunda paternidade e maternidade, propiciando uma relação mais estreita entre as diferentes gerações, diminuindo os naturais conflitos. Também os idosos, assim, aprendem com os mais jovens, podem entender melhor suas mentalidades e ajudá-los de forma mais efetiva.  
Para que tudo isso seja uma frutuosa realidade, a atitude dos que ainda não alcançamos a ancianidade, deve ser de respeito e compreensão com os mais velhos. Vejo com mais freqüência do que gostaria, que muitos filhos e netos não têm a paciência devida com seus familiares idosos. Desprezam, levianamente, os conselhos e as experiências de pessoas que além de vividas, desejam o nosso bem.
Gestos de impaciência, gritos ou simplesmente o frio desprezo em relação aos mais velhos é caminho de empobrecimento pessoal. É verdade que às vezes os idosos são mais lentos para se expressarem ou apresentam dificuldades de audição. Mas não é verdade que somos impacientes porque estamos muitas vezes correndo para “lugar-nenhum”? É saudável para nós, gastar tempo com os mais velhos, ouvir suas histórias, que são experiências que nos podem incrementar a vida e que nos abrem os olhos para mensagens do dia-a-dia que talvez não estejamos captando!

18 de novembro de 2010

A velhice é feia?

É verdade que em nenhum outro momento da História da Humanidade a expectativa de vida ao nascer alcançou patamares tão altos. Já somos, nos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, sociedades "velhas". Não que os idosos sejam a maioria da população, mas as crianças e os jovens já deixaram de ser o montante mais numeroso... Basta olhar à volta, dar uma espiada na janela da rua: vemos idosos se aventurando por nossos passeios esburacados, vemos cabeças prateadas circulando por todos os lados e vemos as filas ou os assentos "preferenciais" cada vez mais concorridos!
Apesar disso tudo, ainda culturalmente vivemos sob o regime da ditadura da beleza. As rugas se esticam, as cãs se pintam, as manchas se tiram. Não digo que plásticas, cuidados com a aparência e a pele sejam fúteis. É preocupante, entretanto, a não aceitação dos efeitos inexoráveis do tempo.
O tempo tudo modifica: desgasta os motores, enferruja o metal, modifica a natureza, expande o universo e, logicamente, envelhece os tecidos vivos. Não há matéria que não sofra os efeitos do tempo.
Acontece que o envelhecimento nos desconcerta – para alguns conscientemente, para outros no âmago do inconsciente – porque nos depara com uma realidade tão certa quanto tão desconfortável: nossa efemeridade.
    
Tememos a velhice, porque ela nos fala de um ciclo que tem seu ocaso. E nos esquecemos de admirar o crepúsculo, tão deslumbrante quanto o alvorecer. Esquecemos de contemplar o baile das folhas amarelas que caem no outono, tão cheias de beleza quanto o broto primaveril. Esquecemos de considerar que o fruto maduro é o doce termo de uma semente que assim permanecerá frutificando.


Os sinais de envelhecimento, que para muitos representam uma vergonha, deveriam ser, porém, distintivos de méritos.
Tendemos a achar a velhice feia porque pouco contemplamos das belezas imateriais. Valorizamos muito pouco as bonitas conseqüências das experiências bem aproveitadas. Ainda julgamos um rosto liso mais belo que um espírito prudente e sábio. Julgamos que um corpo perfeito é mais importante que dar a cada acontecimento da vida seu justo valor, medida difícil de ser alcançada na juventude. Julgamos ainda – quão tolos insistimos em ser! – que uma vida feliz é uma vida de fama, muito dinheiro, prazeres e conforto. E vemos multidões de pessoas frustradas apesar de tudo isso terem alcançado. Como diz um sábio oriental, é surpreendente que o homem de hoje vive como se não fosse morrer e depois morre como se não tivesse vivido.
Cada fase da vida tem suas belezas e seus dissabores. Talvez seja tolice, também, considerar uma determinada fase como "melhor idade". Resta-nos, portanto, a sabedoria de viver cada fase, com a intensidade do que nunca mais será vivido e que não deixará melancolia se mirarmos para frente, em busca dos bens que não passam.

16 de novembro de 2010

Tomar ou não tomar vitaminas para envelhecer bem?

Muita gente pensa que para envelhecer bem é preciso tomar algumas “vitaminas”. Outras pensam que “geriatra que é geriatra, deve prescrever alguma vitamina ao paciente idoso”. Muitas vezes ouço de pacientes ou familiares: “Doutora, acho que é preciso alguma vitamina, a senhora não acha?” Afinal, precisamos ou não precisamos tomar vitaminas?
As vitaminas juntamente com outras substâncias que compreendem o que chamamos de “micronutrientes”, são substâncias que o organismo requer para uma série de processos bioquímicos e para a formação de hormônios, fundamentais para o crescimento e para o bom funcionamento de todo o corpo. São chamados de “micronutrientes” porque, ao contrário dos macronutrientes (carboidratos, gorduras, proteínas), formam um grupo muito diversificado cujas necessidades diárias são muito pequenas, embora essenciais.
Esse conceito é importante porque já nos indica que, como são necessários em pequenas quantidades, alguns micronutrientes também podem causar intoxicações se forem consumidos em altas doses.
Há diversos estudos atuais que tentam comprovar os benefícios da utilização de polivitamínicos como complementação alimentar. Não podemos deixar de observar que há interesses comerciais envolvidos e, ainda assim, os resultados são bastantes frustros embora nem sempre sejam apresentados dessa forma aos consumidores. Além disso, é interessante notar, que quando se comparam reposições de micronutrientes em formas artificiais (cápsulas ou em pó, por exemplo) com formas naturais (por meio de uma dieta adequada), a reposição natural é sempre mais efetiva.
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Fraqueza, mal-estar, inapetência, desânimo, perda de memória, cansaço entre outros, fazem parte dos sintomas que levam muitas pessoas a consumir polivitamínicos. Entretanto, essa atitude é um grande risco para a saúde física e mental. Tal quadro deve ser avaliado por um médico de confiança, no caso dos idosos, preferencialmente por um geriatra. Muitas vezes, o que as pessoas julgam poder ser corrigido com “umas vitaminas”, podem, na verdade, ser doenças sérias: depressão, Alzheimer, Parkinson, insuficiência cardíaca, insuficiência pulmonar, insuficiência renal etc.
Para todos que procuram melhor desempenho físico ou mental e por isso desejam tomar vitaminas, o que é realmente recomendável é procurar ter uma vida mais saudável: dormir as horas necessárias e bem, alimentar-se de forma equilibrada, praticar atividade física, não fumar, consumir bebidas alcoólicas com moderação, manter-se bem hidratado e ter metas de vida. Muitas pessoas me pedem uma “receita” para envelhecer bem. Essa é a “receita”: ter uma vida saudável. Não há segredos. É verdade que nosso estilo de vida, especialmente nas grandes cidades, nem sempre propicia as melhores condições para essa vida saudável. Mas eis um bom motivo para buscar ajuda: a consulta médica é também um aconselhamento, uma ajuda personalizada. Não podemos esquecer nunca que a prevenção sempre será o melhor remédio.
Há muita propaganda sobre vitaminas nacionais e estrangeiras com promessas milagrosas de aumento de vitalidade, da capacidade física e mental, e isso é atraente porque é uma forma fácil de conseguir um bom objetivo. Ainda que não seja o que gostaríamos de “ouvir”, não devo deixar de dizer: em geral, tudo aquilo que realmente vale a pena na vida não é tão fácil de alcançar. Isso não quer dizer que não seja simples, mas exige esforço. E esse esforço vale a pena: saúde não se compra, se conquista!

15 de novembro de 2010

Depressão e envelhecimento: existe uma relação?

Vincent Van Gogh - Old Man in Sorrow
Muitas pessoas se perguntam se envelhecer traz tristeza ou depressão. Aliás, muitas pessoas temem o envelhecimento porque o encaram como uma fase melancólica, só de declínios e perdas. Entretanto, ainda que o envelhecimento físico seja inevitável, o envelhecimento do espírito, depende muito mais de nós mesmos, de como encaramos a vida, do que do tempo cronológico.
Por outro lado, as transformações que o corpo sofre no processo de envelhecimento, podem vir acompanhadas de uma série de desbalanços químicos cerebrais que desencadeiam doenças diversas tais como demências, outros processos degenerativos e também transtornos depressivos. 
Muito se tem estudado sobre a depressão, pois é muito comum. Alguns estudos estimam que até 20% da população em algum momento experimentará um episódio depressivo significativo ao longo da vida. As mulheres e os idosos são mais propensos à doença. Além de ser comum, é uma doença mental que costuma ser recorrente e com potencial de causar sérios problemas e limitações para a vida do paciente.
Sabe-se que a depressão não costuma ser um problema com uma única causa. Pode-se ficar deprimido por circunstâncias externas adversas intensas e prolongadas como problemas familiares, luto, desemprego, frustrações, violência, abandono ou por adversidades físicas transitórias ou crônicas, como infarto, acidente vascular cerebral, doenças reumatológicas, câncer etc.
Por todas essas razões, os idosos são mais vulneráveis ao desenvolvimento de quadros depressivos. Por viverem mais, sofrem maior exposição a todas as situações de risco citadas e, além do mais, têm um organismo mais suscetível às alterações cerebrais associadas à depressão.
Ainda que seja comum, a depressão também não pode ser banalizada. É um diagnóstico médico e deve ser avaliada com seriedade. Depressão não é só “estar triste”. Tristeza é um sentimento comum que todos os seres humanos experimentamos. Quando passamos por qualquer situação de perda ou de um desejo não alcançado, é natural sentirmos tristeza. Entretanto, esse sentimento passa a ser patológico, isto é, doentio, quando atinge uma intensidade e/ou um tempo de duração excessivos, ao ponto de comprometer o funcionamento normal da pessoa, ou seja, quando passa a “atrapalha” a vida normal.
No caso dos idosos, a depressão é muitas vezes pouco diagnosticada porque freqüentemente não se apresenta com os evidentes sintomas de perda de prazer pelas atividades antes agradáveis, alterações de sono e apetite e os sentimentos de tristeza marcante. Nos idosos, esses sintomas podem ou não estar presentes, mas vários outros também são encontrados: sentimentos de inutilidade e desesperança; sintomas físicos inexplicáveis apesar de os exames serem normais; lentificação dos movimentos e do raciocínio; apatia, alterações de memória e da concentração; irritabilidade, inquietação, indecisão, baixa auto-estima; cansaço intenso, perda de energia; diminuição do desejo sexual, sentimentos de culpa... Além disso tudo, podem surgir sintomas que beiram os delírios, crenças irreais, idéias de falência sobre si mesmo, o desejo de morte e até atos auto-agressivos elaboração do suicídio.
Nem sempre, diante de quadros depressivos em idosos, é fácil diferenciar uma situação de depressão “pura” do início de um processo de demência, por exemplo, de doença de Alzheimer. No início dessa doença os sintomas tendem a se sobrepor. Nessas situações o acompanhamento por um geriatra pode ser muito importante para orientar a família e propor tratamentos individualizados.
Muito se tem a fazer por um idoso com depressão. O tratamento, que inclui remédios – há diversas classes de medicamentos –, deve abordar também as outras esferas do ser humano: o suporte familiar, a prática regular de atividade física, a participação em grupos sociais e religiosos, o desenvolvimento de aptidões artísticas e manuais e a psicoterapia.
Todos esses aspectos do tratamento têm igual importância. Em relação aos remédios, alguns cuidados devem ser tomados: devem ser sempre prescritos pelo médico e o paciente deve seguir as dosagens propostas, referindo ao médico os efeitos colaterais e sendo persistente porque, em geral, os efeitos benéficos só são sentidos após mais de um mês de tratamento.
A depressão é, portanto, uma doença clínica comum, especialmente na população idosa. Precisamos estar atentos ao fato e não atribuirmos tais sintomas ao envelhecimento normal. Esses aspectos precisam ser abordados nas consultas de rotina e, quando tratados, podem melhorar significativamente a qualidade de vida. Afinal, é verdade que a vida se transforma, mas, como diz a canção, “saudade, sim, tristeza, não”!